domingo, 24 de março de 2013

ANÁLISE DE LUIZ CARLOS MOREIRA SOBRE A ELEIÇÃO DA COOPERATIVA PAULISTA DE TEATRO 2013

ANÁLISE DE LUIZ CARLOS MOREIRA SOBRE A ELEIÇÃO DA COOPERATIVA PAULISTA DE TEATRO FARINHA POUCA, MEU PIRÃO PRIMEIRO ou ATIRANDO NO PRÓPRIO PÉ Luiz Carlos Moreira autor/diretor teatral Cia. Engenho Teatral Não há vencedores. Perdemos todos. Já perdemos todos. Estou falando do processo eleitoral da Cooperativa Paulista de Teatro que, no máximo, evidencia e acentua nossa despolitização. Sei que minha voz é mais uma mergulhada nesse atoleiro. Portanto, não deixa de ser apenas uma voz desesperada em busca de uma compreensão racional e de uma luz no fim do túnel. O companheiro Alexandre Krug tem cobrado das duas chapas as verdadeiras diferenças que estariam postas em conversas reservadas, nunca em público. Deduzo que ele se refere a falas – de integrantes das duas chapas – que afirmam que a Acordes representa uma aliança com o PT e que este teria barrado o nome da Fernanda (Berro) e imposto o nome do Dorberto (Acordes), o que teria impedido uma composição. As mesmas conversas dizem que o PT já estaria até disposto a aumentar o orçamento do Fomento ao Teatro se a Acordes ganhar, mas estrangularia os cofres se a Berro vencer. Simplificações e ingenuidades à parte (não do Krug), por esse caminho chegaremos ao diz-que-diz ou a fatos que indicariam como as coisas se deram mas não porque se deram dessa maneira. Poderíamos julgar mas não compreender. Em textos e ocasiões diferentes, Sergio Carvalho e Marco Antonio Rodrigues apontam para o retrocesso de nossas discussões acerca de política pública, mercantilização e estética, reduzidas à disputa pela sobrevivência, isto é, pelas migalhas que sobram dos cofres públicos (o que não é pouco, é legítimo e necessário, mas insuficiente e, talvez, “burro”, se não formos além, como cobram os companheiros citados). Creio que é um ponto de partida mais sólido para discutir essas eleições. Questões que as eleições colocam Questões que as eleições escondem A partir do que está explícito no papel, em sites ou nas falas públicas das chapas, somos obrigados a garimpar, nas entrelinhas, o que está implícito, isto é, o que não foi dito abertamente mas aponta para deduções que se impõem (e aí sempre há um espaço para “não foi isso que eu quis dizer”, “não é bem assim”, “você está distorcendo”...). Mas os pronunciamentos em favor de uma das chapas e o comportamento de torcida no triste debate do dia 19 de março não deixam dúvidas sobre os termos da disputa. Vamos a eles. Quem não ouviu a ‘brincadeirinha’: “você vai votar neles, que fazem reserva de mercado, ou em nós, que lutamos por todos”? Quem não sabe que uma chapa é pela diversidade estética e a outra pela imposição de uma linguagem única? Quem não sabe que uma chapa está aberta ao diálogo, a ouvir todos o tempo todo, enquanto a outra quer impor velhos e surrados chavões? Quem não sabe que uma chapa é radical, esquerdista, isto é, é contra o diálogo com o governo e a outra é aberta, favorável a esse diálogo? Quem não ouviu que uma chapa representa a mudança de um Conselho Administrativo burocrático, não transparente, e a outra a manutenção disso? Saberes que, sem dúvida, exigem uma provocação irônica: quem não sabe, enfim, que nossos inimigos são nossos companheiros e nosso amigo é o governo? Para muitos, essa provocação seria uma “jogadinha”, mas as outras seriam “verdades”, não ideologia e marketing. Não mesmo? De qualquer forma, são esses os termos da disputa. E isso é despolitizador porque não enfrenta as verdadeiras questões. A título de exemplo, faço alguns comentários sobre as duas primeiras “questões”. Quem não ouviu a ‘brincadeirinha’: “você vai votar neles, que fazem reserva de mercado, ou em nós, que lutamos por todos”? Quem não sabe que uma chapa é pela diversidade estética e a outra pela imposição de uma linguagem única? Essas falas usam e abusam de um velho sentimento: a de que são sempre os mesmos grupos que ganham todos os editais, particularmente o Fomento. E isso se deve a manipulações, privilégios e, mais recentemente, à imposição de um teatro “político” e da periferia em detrimento dos outros; a diversidade estética estaria acuada por um pensamento único, totalitário. A Chapa Acordes viria prá acabar com isso. A Berro representaria a continuidade disso. Para não ir muito longe: nos últimos anos (na verdade, isso é muuuuiiito velho), muitos de nós passaram a acreditar que existe um teatro político (ruim, não é teatro, usa o teatro) e um teatro de pesquisa formal (bom; é teatro, não política). E que o primeiro estaria sufocando o segundo e, portanto, o próprio Programa de Fomento, já que ele se destinaria a projetos de pesquisa. A partir daí, está feita a briga entre nós, entre a “diversidade” do teatro e a “estreiteza” política que usa o teatro. Essa visão ideológica se transforma em verdade e acaba publicada no próprio livro que comemora os 10 anos de Fomento! E ninguém diz nada!!! Curto e grosso: o Fomento não é para projetos de pesquisa; é para projetos de trabalho continuado. E não é para qualquer projeto de trabalho continuado. É para projetos de trabalho continuado de pesquisa e produção. Isso mesmo: de produção; ao contrário do que estamos dizendo há anos, um projeto não pode ser desqualificado só porque seu Plano de Trabalho se destina à produção de um espetáculo. De novo: o que está em jogo é um projeto de trabalho continuado (de pesquisa e produção) que visa o desenvolvimento do teatro e o melhor acesso da população ao mesmo. E o que significa isso tudo, mesmo? Uma resposta da moda, há mais de ano, e que hoje se projeta nas eleições, é a balela da “pesquisa” que estaria sendo soterrada pela “política” ou pelo “teatro da periferia”, pela tal “reserva de mercado”. “Agora chegou a nossa vez de acabar com eles”, delira a torcida. Seria por isso que o União e Olho Vivo ou o Teatro Studio Heleny Guariba (ex-Studio 184) não são contemplados há várias edições, porque eles são manifestamente “políticos” e, portanto, “ruins” esteticamente? E os critérios de qualidade aplicados a um Tapa servem também para um União e Olho Vivo? (De forma bem simplista, que é o que cabe aqui: existem projetos explicitamente “políticos”, seja pelos seus conteúdos ou intenções manifestas; existem projetos que se dizem explicitamente à margem da política, seja pelos seus conteúdos aparentes ou por suas manifestas intenções. Mas, além das intenções e conteúdos explícitos, não existe teatro sem forma e forma sem conteúdo, unidade que tem, sempre, um sentido político. Conceitualmente, a divisão – obra política, obra formal – não se sustenta, é mero discurso ideológico centrado na aparência e, quase sempre, serve à hegemonia para calar a minoria.) Já em documentos lidos e discutidos nos primeiros 5 anos de implantação do Fomento, o Arte Contra A Barbárie levantava dados estatísticos que demonstravam que essas afirmações – “são sempre os mesmos” – não eram verdadeiras. O sentimento ilustrava outra questão: o Fomento ainda é concorrência, o que significa que não contempla todos (o que é diferente de afirmar que contempla sempre os mesmos – isso os números desmentem, o que não é, necessariamente, bom, pois derruba a tese da continuidade). Como se vê, a discussão tem que ir longe, cada vez mais longe, no limite há que se discutir mercado (capitalismo), arte, profissionalização, indivíduo, classe, Estado, democracia popular, social-democracia, comunismo, neoliberalismo... A saída não é simplesmente transformar o programa num pires de INSS a distribuir um pouco para cada um ou “você já ganhou, agora é a minha vez”. Atendo-se, propositalmente, à questão específica, o Arte Contra A Barbárie alertava: se os grupos de teatro não conquistarem uma relevância estética, cultural, social, política dentro da sociedade que lhes permita ampliar o programa para mais grupos, e se o Programa de Fomento continuar isolado e não conseguirmos outros programas, então ele morrerá, não pelas mãos dos governos, mas pelas nossas próprias mãos. Daí a tentativa do Fundo Estadual de Arte e Cultura (que não era só para teatro). Daí a tentativa do Prêmio Teatro Brasileiro (que não é só para grupos, mas para artistas independentes e pequenos produtores). Daí as teses de que uma política pública não deveria se restringir a um único plano ou programa, mas a um tripé: programaS, fundos e ações de governo; de que deveria servir para organizar a criação e não o Estado, desde que essa criação e seus criadores fossem de interesse público (a política se volta para a sociedade e não para a corporação de ofício); de que a mercantilização neoliberal sufocava a cultura... Mas, desde 2002 (e não a partir da segunda ocupação da Funarte, como sugerem algumas falas), perdemos em todas essas frentes. Na luta pela sobrevivência, deixamos de pensar política com “P” maíúsculo, política pública, estética... Há muito deixamos de pautar os governos; há muito somos pautados por eles e corremos a apagar incêndios. Há mais de meia década, quando o governo federal baixou um decreto criando um Sistema Federal de Cultura, o discurso desses gestores já era o mesmo de gestores estaduais e municipais, de qualquer partido, e ficou claro: o Estado estava se organizando. Hoje, não fazemos outra coisa a não ser correr atrás da burocratização do Fomento e da legislação fiscal, a correr para responder ao Procultura, ao Sistema Nacional de Cultura, à Plenária não sei das quantas, ao Fundo, à economia criativa, à autossustentabilidade... E o que realmente sabemos disso tudo? Qual a visão que temos de Estado (não estou falando de governo), de política pública? Prá quê, mesmo, serve nosso trabalho? Isso depende dos nossos desejos e crenças? O que discutimos sobre profissão, trabalho alienado e grupo teatral? E a questão da continuidade? A bola da vez ainda é política pública? Vamos organizar o Estado? Com qual pauta? Plano Municipal, Estadual e Nacional de Cultura? Prêmio Teatro Brasleiro? Fomento? Grupo? Por quê? Prá quem? E...? Qual é, enfim, a nossa pauta? A campanha eleitoral não permitiu que essas questões fossem discutidas. Frente à perda de rumo e ao enquadramento que o mercado e seu Estado nos impõem, o que temos a dizer? Que o problema são nossos companheiros sectários, que o problema é a administração da Cooperativa, que… Sorrisos montados e ar de bom mocismo, jogo de cena, não convencem: no sufoco, estamos a ponto de sair no tapa; se a farinha é pouca, meu pirão primeiro. E nem sabemos direito porquê. Forçoso reconhecer que a Chapa Acordes tem grande responsabilidade nessa história. Afinal, o que significa ouvir todos? Que a Cooperativa tem que dar espaço aos racistas, homofóbicos, fascistas? Aí vão dizer que estou “forçando a barra”, que não é nada disso e todo mundo sabe que não é nada disso. Eu também sei, mas fica evidente (e ficou evidente na campanha) que não é para todos, é apenas um slogan de campanha que não inclui os “velhos discursos de sempre” e nem mesmo aqueles que têm posições e as defendem apaixonadamente, pois isso, de antemão, é ser raivoso e, no limite, “inumano”. Até a humanidade de companheiros é anulada por um discurso “doce” que propõe ouvir todos mas massacra, publicitariamente, o outro, o diferente, o radical, o inimigo interno. Entendo que a campanha foi jogo de cena entre bonzinhos e mauzinhos, entre o “velho” e o “novo”. Logo, como toda campanha publicitária, nada esclarece, apenas canaliza e materializa ressentimentos e desejos, sem espaço para compreendê-los e discuti-los. A geleca de que você tem que estar aberto a tudo e todos, ao diálogo, etc., se evidencia falsa, é marketing em tudo e por tudo semelhante às musiquinhas de fim de ano com o elenco risonho e sedutor da Rede Globo. Independentemente das boas intenções (e eu ainda quero acreditar nelas) dos acordes, o resultado é desafinado, o tiro sai no pé ao abrir a temporada de caça ao outro, aquele que é culpado por impedir a realização de meus desejos (de onde eles vêm, mesmo?). Nesse contexto, não há debate político, não há conversa razoável, não há entendimento. O que resta é a torcida entre acordo e acorde harmônico contra o inimigo raivoso que quer apenas impor suas posições de antemão sectárias e, portanto, elas sim, de antemão divisionistas. E a platéia ainda aplaude e ainda pede bis Prá mim, essa foi uma campanha de discursos ideológicos, portanto, despolitizadora. Essa foi uma campanha de imagens que, longe de levantar as verdadeiras questões e discutir caminhos para enfrentá-las, denunciou culpados, promove uma caça às bruxas e nos divide. E agora, o que fazer? Krug sugeriu a retirada das 2 chapas e a eleição nominal para que os mais votados assumam a administração da Cooperativa. E ninguém disse nada. Confesso que também pensei na dissolução das 2 chapas, não no processo de eleição individual que ele propõe, mas é só olhar em volta para perceber o desastre: isso é golpe, é contra o processo eleitoral, é... Como se uma assembléia pudesse dar um golpe em si mesma. (A propósito, uma informação aos mais novos: isso já aconteceu numa eleição da Cooperativa, a assembléia destituiu as 2 chapas e, pelo voto, definiu uma nova composição). Mas a questão tem também um lado privado e não menos trágico: somos amigos, dizem o Fábio e o Rudi, você conhece meu pai, mágico, lembra Thiago. Talvez tenha sido verdade um dia, mas ali, naquela cena da noite de 19 de março travestida de debate... Enfim, o nervosismo e a irritação com que Maysa Lepique tentava questionar o Paulo Celestino, seu parceiro de direção na Cooperativa, dá uma idéia do que poderá vir se juntarmos esses amigos numa mesma diretoria. Foi a isso que chegamos. Esses foram os grandes avanços para nossa compreensão e organização frente ao mercado e seu Estado que nos sufocam. No debate rebaixado, se formos mesmo obrigados a optar entre as 2 chapas, por tudo que escrevi acima, fica claro meu voto: vai para a Chapa Berro, que tentou politizar a campanha e não conseguiu. Já estava, de antemão, julgada, culpada e demonizada: era o bode expiatório de nossos ressentimentos e derrotas. Essa distorção ideológica foi o eixo de campanha da Chapa Acordes, mesmo que fossem outras as intenções de seus componentes. Mostrou-se, portanto, menos preparada politicamente para as questões que deverá enfrentar. De qualquer forma, não há vencedores. Perdemos todos. Já perdemos todos. São Paulo, 23 de março de 2013

sábado, 23 de março de 2013

A (DES)CISÃO Sobre a eleição para a gestão 2013/2015 da Cooperativa Paulista de Teatro (CPT)

Compartilhando o texto de amigo, João Alves, em: http://lugardeindignar.blogspot.com.br/2013/03/a-descisao.html "Eu vivo num tempo sem sol. uma lingua sem malícia é sinal de estupidez, uma testa sem rugas é sinal de indiferença. Aquele que ri ainda não recebeu a terrível notícia." Bertholt Brecht Após esse texto vou me tornar um abjeto, um execrável, um crápula, o pior ser na face da terra para alguns. Já faço essa ressalva porque é melhor eu ser rotulado criticamente por mim mesmo do que por meus detratores. Gregor Samsa, personagem principal da obra Metarmorfose de Franz Kafka, sabia disso e teve coragem de bancar a transformação em inseto abominável. Por que eu também não teria a mesma coragem? Vou tocar aqui na paixão e na postura egoica de alguns artistas teatrais e isso é o suficiente para me julgarem moralmente, mas o que conta não é moral, o que conta é a ética e pretendo ser muito ético em minhas colocações. Serei longo e também posso ser enfadonho dentro de uma sociedade da informação em 140 caracteres, mas tenho muito mais que uma twittada para fazer. Antes que me acusem de “comunicador de determinada chapa” e usem isso politicamente para depreciar a construção do pensamento, vou logo dizendo: diante do contexto complexo que estamos vivendo; como cooperado interessado em pensar propostas para uma cooperativa em conjunto; como um desinteressado em propostas impostas de cima para baixo em atos de apresentação regidos pelo comportamento “eu falo, você escuta e apoia, senão cai fora”; eu declaro meu voto para a Chapa Berro. Após o preambulo irei iniciar minha colação dizendo: Tenho vergonha do comportamento de meus colegas artistas de teatro! A vergonha que sinto surge da contradição que existe entre o discurso de meus pares e sua ação no mundo. O comportamento demonstrado pela classe teatral durante o debate desta terça, 19 de março, entre as duas chapas que concorrem à gestão da Cooperativa Paulista de Teatro (CPT), Chapa Acordes e Chapa Berro, é o que me conduz a fazer essa afirmativa. Somos uma classe que diz ser “politizada”, mas que não está interessada no verdadeiro debate político. Prefere ficar na superfície das coisas à mergulhar de cabeça nas questões. Nada que assuste tanto quando lembramos que nossa profissão vive de criar imagens vendáveis para o mercado. Somos um grupo que prefere construir muito bem um perfil de Facebook ao invés de tentar construir um pensamento político significativo e verdadeiro. Como produto que somos consumimos produtos construídos e maquiados como nós. Consumimos também discursos políticos que se adéquam a nossa necessidade de consumo e não nos atemos às questões reais que se apresentam. Nós, os artistas de teatro, temos a estranha mania de nos colocar acima do bem e do mal. Colocamo-nos nas figuras de "grandes pensadores e libertadores da sociedade através da religião Arte”. Em nosso discurso somos aqueles que ainda não renderam-se à alienação, aqueles que ainda não renderam-se ao mercado, somos os revolucionários, somos os out-sideres. Mas como dizia seu Fulgêncio, meu avô: “Falar é fácil, até papagaio fala”. Diante do discurso que adotamos nossa atitude está muito contraditória: · Guy Debord, ao definir imagem, diz que “imagem é acumulo de capital". Ora, quando nos deixamos levar pela propaganda bem feita não estamos nos rendendo ao fetichismo da imagem? Não seria também rendermo-nos ao capital? Quando nos deixamos ser conduzidos por uma imagem bem construída, uma imagem de propostas sólidas, sem analisar o contexto no qual essas propostas irão agir, creio que passamos imediatamente a fazer parte do enorme batalhão de alienados, tão depreciado por nós, os “detentores do saber”. E para deixar bem claro: aceitar propostas sem analisar o contexto é alienação; · Quando nos rendemos a um discurso populista de “para todos” e outros slogans mercadológicos de venda, não estaríamos mostrando a nossa despolitização? Mas tudo isso pode ser justificado quando dizemos que “comprar gato por lebre” é simplesmente um senso de humor, um ruído de KKKKK, e não a triste constatação de que fomos enganados. (Mas é necessário aceitar o populismo, aceitar o POP. Se Madonna estivesse concorrendo à gestão da cooperativa Paulista de Teatro, ela seria uma ótima candidata e já teria ganhado. Ela deu seus pulos no palco e se produziu a vida inteira para essa função: “Por uma cooperativa mais like a virgian, vote Madonna"); · Quando “intelectuais civilizados do teatro” se deixam levar pela vaia e provocação em massa, eles não estão sendo massa? Além disso, no nosso discurso de “acima do bem e do mal” estamos acima da selvageria. Reproduzir uma atitude de arena romana, onde eram praticados atos sanguinolentos, não seria o mesmo que reproduzir a barbárie que condenamos? Ainda mais quando nos dizemos defensores dos ideias da democracia e da polis grega? (Que fique claro que não sou conta a vaia. Acho uma atitude genuína, espontânea e popular. A vaia pode ser uma forma significativa de manifestação politica de uma classe cooperada frente os seus opressores. Mas quando ela é usada, somente pela forma, contra pessoas de sua própria classe é desnecessária, porque desfortalece a construção de conhecimento e revela o quanto não somos solidários com nossos iguais. Como podemos querer cooperar se não somos afeitos ao debate sadio? Como podemos cooperar se não sabemos respeitar a falha do outro e ajudá-lo à esclarecê-la?); · Que classe é essa que condena um ator que trabalhou num comercial de propaganda política? Olhem bem, eu disse trabalhou, ou seja, vendeu a única coisa que tem para sobreviver, a sua força de trabalho. Fazer parte de um comercial político é a mesma coisa que fazer parte de qualquer comercial mercadológico (sabendo que política hoje também é um mercado e o mercado também é política). Ambos os trabalhos estão no rol da perversidade a qual temos que nos submeter para poder pagar o aluguel em dia, comer e se locomover (principalmente naqueles meses de entre-safra de trabalho teatral). “Trabalhar para” é diferente de “apoiar” e “colaborar”. E aposto que, sabendo da realidade de “vacas magras” que vivemos, pelo menos metade da plateia que vaiou esse ator quando recebesse a proposta de um partido, com as cifras devidamente negritadas e não tendo a conta bancária recheada, não exitaria em aceitar. Sem falar que na nossa amnésia política deixamo-nos levar por um episódio negando toda uma tragetória política desse ator. Mas, como dizia Stanislavski, “tudo é uma questão de estar ou não em situação”. (Boa parte das pessoas presentes no debate, conhece ou já ouviram falar de Brecht, aquele dramaturgo alemão, aquele perseguido por Hitler, aquele que escreveu roteiros para Hollywood, aquele que fez propaganda para uma empresa automobilística. Essa plateia adora dizer que Santa Joana dos Matadouros é uma peça brilhante. Mas essa mesma plateia se esquece de que nessa peça uma mulher, que protestava a morte do marido, enlatado após ser moído pela máquina de carne, resolve aceitar um prato de comida por dia da empresa que assassinou seu esposo. “Primeiro o estomago, depois a moral”. Isso não quer dizer que ela apoia a empresa, isso quer dizer que existe questões pragmáticas cotidianas que fazem a gente correr atrás do dinheiro). · Por que ninguém comentou a menção ao Senhor Andrea Matarazzo, durante a reunião? Por que não houve um esclarecimento verdadeiro da situação? Por que ficamos na questão da propaganda e não nos atemos ao posicionamento? Creio que é porque somos criadores de imagens ocas e não construtores do conhecimento. (Somos nós que criamos a nossa casta de políticos profissionais. Nossas famílias de gestores: de Sarneys, Magalhães, Alckmins, Matarazzos, Alves, Malufs e afins. Basta dar um google nesse sobrenomes que vocês verão como estamos construindo muito bem uma classe de Nobres Políticos com direitos hereditários e poderes consuetudinários. A menção do nome de Andreia Matarazzo não seria algo preocupante? Como podemos esquecer que esse cara era o grande executor dos interesses comerciais da prefeitura nesses últimos anos de Serra/Kassab? E saibam que o senhor Andrea Matarazzo é o pré-candidato pelo PSDB à prefeitura de São Paulo para as próximas eleições). · Falar que é "contra a política nojenta" e usar da ingenuidade do outro para se promover é perversidade política da pior especie. E também essa atitude não se configuraria como fazer política nojenta? Se queremos nos colocar na posição de intelectuais, de artistas pesquisadores, artistas pensadores, tenho que dizer que estamos muito aquém. A Ilusão da bolha cor de rosa é coisa de mocinha “tocadoura” de piano do século XIX. O pesquisador é aquele capaz inquietar-se com a realidade e formular perguntas, ou seja, inferir para movimentar o pensamento. Estamos passando longe de sermos questionadores. Nossas colocações revelam consumidores de afirmativas e de receitas prontas. Uma proposta rígida, formatada por uma elite intelectual e artística, acaba tornando-se mais interessante para um coro que grita “Eu quero ensaiar. Não quero ir na reunião da cooperativa” (Até o debate para essas pessoas foi um saco, porque impediu uma galera de ficar em casa assistindo determinado programa de TV e/ou postando piadas sobre o fazer teatral no Face). Noto na nossa classe teatral um discurso complicado em relação à cooperativa. Um discurso que desconhece o conceito de cooperar. As cooperativas são criadas num contexto em que os trabalhadores, para sobreviver ao mercado, necessitaram se unir e serem solidários entre si. Toda cooperativa tem que observar alguns princípios ( adesão livre; gestão democrática; taxa limitada, etc). Os artistas teatrais cooperados ignoram esses princípios, isso foi claramente notado nas formulações de perguntas durante o debate, que não contemplaram a problemática. A escolha dos artistas teatrais, ao que parece, não é pela gestão democrática e cooperativa. Cooperar uns com os outros dá trabalho, então, submetem sua escolha às regras do sistema político que criticam: escolhem representantes que legislem por eles e esquecem que a cooperativa existe até a próximo rateio (nem vou entrar nas questão acerca do SATED-SP para aprofundar a questão da falta de articulação, mas fica a dica). O ideal para os artistas que querem ir só para a “sala de ensaio” e não na reunião da cooperativa é que um grupo seleto de pessoas, altamente capacitadas pense as suas necessidades e resolva todos os problemas sem que eu tenha que sujar minha mão com a gestão. “Eu sou gestor. Sou pai de família e faço a gestão de meu grupo. Estou pronto para encarar a cooperativa”. Esse é o discurso predileto de nossa classe, que prefere ficar ensaiando meses um espetáculo que não saber se vai estrear, ou nos bares da praça Roosevelt, ao invés de ir na assembleia da cooperativa (vale a ressalva de que sou um dos frenquentadores assíduos da praça Rossevelt e não vejo problema nenhum em frenquentá-la). Esse do grande gestor ex-machina é perfeito para uma classe que prefere que alguém lute por suas necessidades ao invés de se organizar, para tentar conquistar espaços e mudanças num contexto político e empresarial massacrante para o nosso ofício. O contexto que se apresenta dentro da própria classe artistas mostra claramente um embate. Estamos cindidos entre aqueles que estão interessados em pensar e lutar por uma Arte Pública e aqueles que estão preocupados em ir para seu ensaio e ganhar edital. Afinal: “Farinha pouca, meu pirão primeiro”, ou “Pouco capital, primeiro Eu no edital”. O que nos esquecemos é que sala de ensaio e piração estética não cria política pública descente para a nossa classe. A Lei de Fomento, que foi a única grande conquista da classe nos últimos anos, surgiu quando os artista se uniram e usaram suas salas de ensaio como espaços de assembleia cooperativa, ou seja, quando eles perceberam que representavam a si mesmos num regime de cooperação. Depois vieram tramites políticos, mas primeiros precisamos descobrir em conjunto o que precisávamos. Já sabemos que a Lei de Fomento é pouco, ela não mata a fome, ela engana a dor de barriga. Mas não queremos criar uma nova política de arte, queremos que alguém faça isso por nós para podemos concorrer ao edital. Queremos um representante com propostas sólidas que forre a nossa dor de barriga mais uma vez. Somos uma classe cindida, dividida, fragmentada e isso não pode ser acobertado pelo discurso polido (ético e complexo, complexo porque ético, ético porque complexo): “Pertencemos a mesma classe. Ninguém aqui é inimigo de ninguém”. Não somos inimigos porque pertencemos a mesma classe fodida de artistas, mas que existem alguns dos nossos que estão aliados com a proposta do inimigo, isso existe. E que fique claro: a alienação não é consciente; quando consciente, deixa de ser alienação e quando usada para conseguir vantagens políticas, é perversidade. Temos de um lado pessoas interessadas em pensar junto, construir pautas a partir das nossas necessidades, para lutarmos juntos por uma Arte Pública. De outro lado temos a mudança para “melhor” com proposta não pensadas cooperativamente. Qual é a real necessidade de um cooperado? O cooperado tem que participar ou deixar que legislem por ele? Creio que esta eleição irá revelar bastante sobre a classe teatral. Creio que os comentários acerca deste texto também revelarão. Estou aberto à construção de conhecimento sadia, sem acusações infundadas e aproveitamentos políticos. Postado por João Alves às 07:36

quarta-feira, 20 de março de 2013

O Direito ao Teatro

Sérgio de Carvalho Não há muita dúvida de que o teatro é o setor da vida cultural brasileira em que o engajamento na questão das "políticas culturais do Estado" se encontra mais avançado. Setores dos produtores independentes têm acompanhado de perto e tentado influenciar, através de cafezinhos, seminários e páginas nos jornais, a recente discussão sobre o Procultura, uma reforma da Lei Rouanet que pretende fortalecer as verbas diretas do Fundo de Cultura e controlar na medida do possível os diretores de marketing que hoje decidem sobre o patrocínio das artes com recursos de renúncia fiscal. Integrantes do movimento de teatro de grupo, por sua vez, tentam trazer à pauta o Prêmio de Teatro Brasileiro, uma tentativa de viabilizar montagens e processos de pesquisa com recursos geridos diretamente pelo governo. Diante de tal movimentação, alguém poderia imaginar que existe no setor alguma organização e acúmulo teórico, o que não é uma mentira plena quando comparamos o teatro com as outras artes. Entretanto, o avanço relativo não esconde que o quadro atual da reflexão é de uma completa indigência crítica quando se trata de uma verdadeira "política cultural". Disputa de recursos A frase mais lúcida sobre a questão no debate recente foi emitida por um artista que não pertence a nenhum grupo organizado e, a despeito de sua história no Teatro de Arena e da fundação de uma companhia de repertório na década de 1980, vive hoje da televisão. Antonio Fagundes afirmou em entrevista a um grande jornal: "Não existe política cultural no Brasil [...] Um Estado realmente preocupado construiria um teatro em cada bairro e faria companhias municipais, estaduais de teatro" (Entrevista publicada por O Estado de S. Paulo, Caderno 2, em 21 de maio de 2012). A observação indica um certo modelo de ação que surgiu, salvo engano, na crise do sistema liberal em alguns países europeus. Apesar da discutível identificação entre cultura e belas-artes (o que sempre pressupõe a imagem de um consumo de elite letrada), a sugestão dos teatros de bairro parece se referir ao caso prático da política cultural francesa no pós-guerra, que incorporou como projeto de Estado o Teatro Popular de Jean Vilar e criou estruturas para que um movimento de teatro descentralizado se desenvolvesse através de companhias subsidiadas, responsáveis não apenas por espetáculos de qualidade levados a todo canto, mas também por estimular o aprendizado e a difusão de uma cultura teatral diversa da representação convencional na indústria cultural e no bulevar. Na parte prática de seu comentário, Fagundes parece estar dizendo: uma política cultural, seja o que ela for, terá de ser mais do que delegar aos empresários a responsabilidade dos destinos culturais do país. Essa simples posição contrária ao neoliberalismo põe sua fala à frente da tendência geral de um debate que não faz mais questão de esconder a que vem nos últimos anos. Trata-se de uma peleja aberta pelo acesso aos fundos públicos. Entre os vários grupos de interesse na disputa estão os diretores de grandes fundações, os gestores de institutos culturais ligados a empresas, os marqueteiros e advogados envolvidos no negócio da captação de recursos, os produtores de montagens comerciais paulistas e cariocas, os administradores de festivais e, enfim, os grupos teatrais independentes que aprenderam a se organizar desde o movimento Arte contra a Barbárie, da década de 1990. Apesar da variedade de tendências e da desigualdade da luta, o interesse é o mesmo: dinheiro público. E é curioso que haja um sentimento geral de que a arte do país depende dessa suposta "política" estatal das verbas: a manifestação sentimental de carência está hoje na boca de todos, inclusive dos artistas que produzem espetáculos de mercado, aqueles mesmos que orientam seus espetáculos para resultados convencionais e procuram a eficácia de resultados voltados para um público-alvo (como qualquer empresa produtora de bens e serviços) e que, apesar da teórica adequação às expectativas do entretenimento vulgar, afirmam não ter facilidade de patrocínio porque, em última instância, as empresas preferem se autopatrocinar. Mas a gritaria surge também entre aqueles que se consideram "alternativos ao mercado" (alguns chegam mesmo a ser opositores), que produzem trabalhos experimentais que, por uma razão ou por outra, de fato têm pouquíssimas chances de existir sem algum tipo de apoio público ou privado. Essa aproximação dos contrários (pela qual não só a vitalidade dos experimentais, mas também o lucro e a acumulação do mercado teatral se tornam dependentes do Estado) faz com que os argumentos se equiparem: sem conseguir chegar ao ponto complexo de refletir sobre importância cultural ou a necessidade da universalização da cultura ou sequer sobre a construção de valores estéticos e políticos, a reivindicação dos chamados "alternativos" acaba por muito se assemelhar à de seus opositores quando estes querem privilégios em relação às grandes corporações que também "fazem cultura", ou às instituições culturais do próprio Estado. Concepção privatista de política cultural Em qualquer caso, é uma forma de debate corporativo que no fundo se opõe à construção de uma "política cultural". Reduz-se ao conflito dramático das vontades de orientar a injeção de dinheiro que o Estado faz no mercado das artes, seja ele mais central ou mais periférico. O bordão discursivo "mais verba para a cultura", com seu fundo de verdade, na medida em que o ministério e as secretarias do país são os primos pobres da gestão pública, e mal sustentam seu funcionalismo, atualiza a ideologia do pires na mão e a suposta "distinção espiritual" das artes em relação ao conjunto social. Pois já não importa de que cultura se trata. Supõe-se que estamos diante de um valor positivo de antemão: como se toda arte ou produção simbólica valesse a pena (devemos incluir aí a neonazista) e tivesse importância social. A triste constatação de que a reflexão sobre "política pública" regrediu até no movimento de teatro de grupos (a parte mais inventiva dessa arte no país), desde os manifestos do Arte contra a Barbárie, em meados dos anos 1990, deve ser compreendida no contexto de desenvolvimento capitalista recente no país, processo que se intensifica no governo Fernando Henrique e se acelera no governo Lula, chegando a parecer natural para a própria esquerda. É evidente que não começa aí a história nacional da assimilação da produção artística às condições do mercado, mas é quando ela se totaliza de um modo inédito. A força da Lei Rouanet A coincidência dos opostos no interesse por dinheiro público pode ser explicada de muitos modos. Como sempre, a ideologia resulta da modificação nas condições de produção ocorrida nas duas últimas décadas, desde o surgimento da Lei Rouanet, em 1991. Na passagem do desastrado governo Collor para o patético período de Itamar Franco, a questão da cultura não poderia mais ser concebida como reflexão sobre a nação ou sobre o povo, conceituação populista que parecia servir indiscriminadamente à esquerda e à direita (sempre que desvinculada da prática), nem abordada segundo critérios de uma discutível cultura humanista, rejeitada num mundo de fragmentação e especialização pós-moderna. A Lei Rouanet simbolizava o desejo de que as empresas do país, numa união doce com a sociedade civil, celebrassem e construíssem um novo tempo neoliberal da diversidade e pluralidade de manifestações. Na prática, iniciava-se ali uma desresponsabilização do Estado (em nome da democratização) com vistas à sujeição a uma entidade simbolicamente mais atual: o mercado, que precisava ser estimulado a se expandir. A cultura passava a ser encarada como setor da economia (e não o contrário, como seria de se supor), uma vez que o Estado, agora muito atento à pressão para enxugar sua máquina, "não pode mais autoritariamente impor um padrão estético ou cultural à sociedade". O que se viu nos anos seguintes foi uma expansão dessa lógica de delegação em termos muito práticos, proporcional à privatização de vários setores feita em nome de uma gestão mais moderna. Como protagonista nacional da transferência de dinheiro público para gerentes de marketing e seus interesses de patrocínio, a lei de renúncia fiscal gerou inúmeros simulacros estaduais e municipais. Cresceu ano a ano o número de obras teatrais patrocinadas. Em pouco tempo, aqueles artistas que antes investiam capital próprio e, como pequenos empresários num mundo do risco, trabalhavam para recuperá-lo na bilheteria perceberam que o patrocínio rendia mais e era um seguro em relação à venda de ingressos. Com raras exceções, compensava ficar pouco tempo em cartaz, na medida em que isso permitia reabrir o processo de captação para uma nova produção ou viagem. Com o mesmo impulso, cresceram os valores dos aluguéis das casas teatrais e o custo da mão de obra contratada. A profissão de técnico teatral se desenvolveu, havendo maior especialização de cenógrafos, sonoplastas, cenotécnicos e iluminadores, e passou a ser fundamental contratar caras assessorias de imprensa e investir muitíssimo dinheiro na circulação: a compra de anúncios de página inteira no jornal se tornou condição do patrocinador para filiar sua imagem ao espetáculo. Um milhão de reais deixou de ser uma exorbitância como orçamento para uma grande produção teatral que ficará poucos meses em cartaz. O ideal de uma "economia da cultura" parasitária do fundo social tornou-se, em parte, realidade. Para além do mundinho das produções teatrais, o aparelho cultural privado se desenvolveu enormemente. É um período marcado pelo surgimento dos magníficos "institutos culturais" nas avenidas centrais das cidades. Além dos institutos de todo tipo, privados e estatais, de bancos e empresas telefônicas, surgiram grandes fundações culturais associadas a corporações. Percebeu-se que a imagem de uma "empresa cidadã" não era tão custosa assim e podia se associar a interesses espirituais de uma elite que gosta de se encontrar na abertura de exposições. Construíram-se enormes teatros e casas de shows com nomes de empresas e grupos financeiros. Mesmo os festivais de teatro expandiram sua dimensão e grade de programação. Um deles adotou uma posição mais agressiva no que se refere a marketing e se juntou às empresas jornalísticas: a compra de anúncios e o financiamento das viagens de repórteres notabilizam esse festival, que passa a orientar, através do crítico de plantão, o lançamento das novidades do mercado teatral alternativo. E, de uma vez por todas, o país entrou na rota da compra e venda de espetáculos internacionais, todos viabilizados com verbas públicas e direcionados ao consumo de luxo, como dão testemunho os altos valores dos ingressos. No mesmo passo em que a Lei Rouanet permitiu um desenvolvimento relativo de algumas instituições culturais e liberou verbas ao próprio funcionamento do aparelho cultural do Estado, através da pressão do governo nas estatais (na verdade as grandes investidoras na cultura do país, sobretudo de cinema), houve no período, ao menos até o governo Lula, um notável retraimento das ações diretas para o desenvolvimento das artes, dependentes de dotação orçamentária. O Estado, em todos os níveis, deixou de cuidar de sua estrutura física e pessoal na área cultural: teatros abandonados, casas de cultura sem equipe, museus e bibliotecas malcuidados. No todo, um desinteresse e uma incapacidade de formulação de um projeto cultural minimamente socializante. Contrária a qualquer dirigismo cultural, em nome da democracia, a transferência de controle viabilizada pela única fonte legal de recursos permitiu à parte já endinheirada da sociedade civil descobrir uma renda adicional no negócio da cultura, a ponto de desistir do ideal do mercado como lugar de autonomia. Mudança da relação produtiva O que a década de 1990 fez no governo FHC, do ponto de vista de "política cultural", conduzida pelo melancólico ministério de Weffort, foi lançar a pá de cal sobre os resquícios de um projeto anterior contraditório, que nunca chegou a se implantar como ação integrada, mas gerou alguns efeitos produtivos. Com a supressão desses fragmentos que atravessaram a ditadura militar, decretou-se a totalização da forma mercadoria na relação cultural. Na década seguinte, no governo Lula tentou-se uma correção da visão neoliberal anterior com a pulverização de ações baseadas num imaginário tropicalista-populista. Os ministros Gil e Juca Ferreira procuraram mostrar que sob o totalitarismo do mercado existe uma diversidade integrável de realizações, e valorizaram de modo abstrato a "produção cultural do povo", equiparando no discurso o artesanato e o folclore à indústria cultural. Diante dessa pauta de integração mercantil das diferenças, lançaram-se a distribuir algum reconhecimento a culturas regionais por meio de editais, infindáveis reuniões de câmaras setoriais e, de fato, transferiram condições produtivas mínimas (através da ferramenta potencialmente útil mas mal controlada dos Pontos de Cultura) a grupos da sociedade civil. A categoria reguladora do debate nunca deixou de ser, entretanto, a malfadada "economia da cultura". Na primeira década de protagonismo da Lei Rouanet, nos anos 1990, o Estado brasileiro fez a conversão neoliberal clássica: substituiu a noção de "serviço público" pela de "empresa a seu serviço". Proclamou aos quatro ventos que também no setor da cultura deveria ser o mercado a principal força modernizadora e emancipadora. Reações surgiram. O governo Lula, prometendo crítica ao modelo anterior, convocou as vozes dissonantes (inclusive militantes do teatro de grupo) e as aproximou de sua esfera de interlocução. Percebendo que era preciso apaziguar os ânimos, ampliou o leque das ações diretas do Estado no setor das artes, aumentando o número de editais destinados aos excluídos da Lei Rouanet. Em pouco tempo, e a preço baixo, cooptou a maioria das vozes contrárias ao processo geral de naturalização do mercado, que atravessaram a fronteira da miséria para a pobreza produtiva e passaram a gastar suas energias criativas em lutar por mais editais para a manutenção desse desenvolvimento capitalista precário e dependente. As ocupações da Funarte em nome, outra vez, de "mais verba para a cultura" tiveram força poética para sugerir o vínculo entre os artistas e a classe trabalhadora, mas logo se neutralizaram ao se associarem a uma pauta economicista e autorreferente. Que o contraponto máximo ao modelo anterior da Lei Rouanet produzido em oito anos tenha sido o Procultura, a ser sancionado agora no governo Dilma, é só um sintoma particular de um amplo processo de despolitização e perda de horizonte crítico. Comércio de ruínas Assim como ocorreu na modernidade europeia dos séculos XVIII e XIX, a "política cultural" costuma se tornar problema de Estado nos períodos de intenso desenvolvimento burguês: ou associada a construções do imaginário nacional ou como resposta crítica, muitas vezes aristocrática, ao próprio aburguesamento, oscilando entre os extremos da totalização "identitária" imposta de cima para baixo ou do culto ao particularismo e à diversidade, que pode se manifestar em muitas formas. Entre a cultura e as culturas, já observou Terry Eagleton, oscilam as ideologias culturalistas. Mas o que importa saber é o que elas geram ou justificam do ponto de vista dos meios de produção. O desmantelamento contemporâneo do setor público das artes (o pouco que se fez em termos de cultura no país) não é exatamente um desmanche porque a rigor ele nunca foi constituído como processo integrador capaz de interferir no panorama social. O que existe, sob a forma de casas teatrais ou de pequenas ferramentas de produção cultural diretamente ligadas ao Estado (nos moldes daquele teatro popular francês desejado por Fagundes), se deveu ao esforço de homens de esquerda nas brechas do Estado autoritário, que atuaram à espera de um tempo melhor. Não por acaso, o Serviço Nacional do Teatro surge na era Vargas e a Funarte na ditadura militar. Quando essas casas em construção deixaram de ser ocupadas pelos vivos, o canteiro de obras se converteu em ruínas. E o que resta hoje são pedaços mal erguidos, prontos para cair. Nas exceções a essa tendência, nos casos em que o poder público modernizou seu aparelho (em alguns estados) e resolveu interferir diretamente no ambiente cultural do teatro, predomina, paradoxalmente, o clientelismo mais grosseiro (como na criação, em São Paulo, de companhias voltadas para a espiritualização da elite, ou de uma escola de teatro cedida a um grupo particular sem edital divulgado ou debate público). Tempos impensáveis aqueles em que Mário de Andrade abriu a porta do Teatro Municipal aos operários, ou em que grupos amadores ocupavam aquele palco. Diante da inexistência de projetos culturais consequentes, a tendência é a mesma: os poucos espaços públicos das pequenas cidades são "resgatados" pela burguesia local ou são, nas capitais, transferidos à gestão de empresas disfarçadas de "organizações sociais" com o argumento de que elas têm maior mobilidade na gestão de recursos e, portanto, maior capacidade de contabilizar eventos. Com exceção da insuficiente Lei de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo, que apoia pesquisas continuadas de grupos teatrais e prioriza o processo de trabalho, e não o resultado (o que ao menos desautomatiza a lógica do produto cultural), tudo que se tem hoje no país em termos de política para a cultura é a transferência de recursos públicos a produtores individuais privados. A título de contradição Em qualquer desenvolvimento capitalista, a disseminação da forma mercadoria não se faz sem embates ou de imediato. A manufatura convive com a indústria até que seja incorporada e eliminada pela luta concorrencial ou encontre um novo lugar como produto de troca na periferia do sistema. Esse processo geral de especialização e separação das esferas, fragmentação e abstração, pelo qual o trabalho é submetido a uma dinâmica de controle externo, é em tudo contrário à experiência cultural livre, à realização da vida por sujeitos. É somente, portanto, na contramão da maré que existe alguma chance de pensar política cultural. No atual estágio de desenvolvimento da indústria da cultura no país, no qual o pequeno artesanato teatral do passado assume a condição de abastecedor de uma engrenagem maior, em que a quase totalidade dos artistas passou a ser regulada por determinações do negócio artístico, trabalhando para atender aos pedidos de empresas ou teatros contratantes, empurrados por uma expectativa abstrata de inserção, debater política cultural passa a depender da construção de outra cultura política. Não se trata aqui de sugerir ações possíveis. No caso do teatro, basta olhar um pouco para a realidade dos acervos e da memória, da produção editorial, do ensino, da difusão das pesquisas acadêmicas, da fragilidade do estímulo às associações livres, dos espaços públicos e sua utilização restrita para perceber que o mínimo está por ser feito. Cultura, entretanto, deve ser algo mais do que a fruição da arte. E, seja o que for uma política desse tipo, ela deverá, no mínimo, produzir contradições em relação a um Estado que já não se envergonha de ser gestor do capital. Nas atuais condições, um programa para uma possível política cultural mais justa terá de ser negativo: • terá de estimular sempre processos culturais de longo prazo (não produtos) e apoiar as pessoas neles envolvidos, oferecendo possibilidade de aprendizado e criação cultural que não se orientem por uma possível entrada no mercado. O que depende da convicção de que o mercado não é a única realidade da vida. • terá de se opor à disseminação da lógica do consumo cultural, que identifica os espectadores a consumidores, que contabiliza seres passivos a ser atingidos por eventos, que adota critérios quantitativos para avaliar os efeitos culturais. • terá de compreender cultura como um processo mais amplo de aprendizado, invenção, desenvolvimento intelectual e sensível das capacidades de relação social, muito mais abrangente do que a produção artística ou de entretenimento. • terá de estimular agrupamentos contrários ao caráter monopolista do sistema de reprodução cultural. • terá de apoiar antes formações e movimentos coletivos do que realizadores individuais, terá de oferecer acesso social aos meios de produção da cultura, terá de considerar o amadorismo cultural tão ou mais importante do que o profissionalismo, e procurar integrá-los, terá de fortalecer a noção de sujeito cultural, o que depende de uma formação crítica e política. • terá de romper com a aura de cultura de elite que paira sobre certas instituições (como herança liberal) e abrir as portas dos teatros municipais, estaduais e federais a projetos de intercâmbio entre áreas, de modo que as artes, ciências, crítica, memória e literatura desloquem seus lugares convencionais e superem as distâncias sociais. • terá de desconfiar das formas dominantes e tomar partido diante da produção cultural da sociedade civil. • terá de considerar que a cultura não é privilégio de classe, mas um direito que depende do tempo livre. Fonte:1) http://www.sergiodecarvalho.com.br/?p=1759 2)http://teatroderuaeacidade.blogspot.com.br/2013/03/o-direito-ao-teatro.html

Ecad é condenado por formação de cartel

Fonte: http://blogs.estadao.com.br/tatiana-dias/ecad-e-condenado-por-formacao-de-cartel/ 20 de março de 2013| Por Tatiana de Mello Dias O Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição) e seis entidades de defesa dos direitos autorais no País foram condenados por formação de cartel e abuso da posição dominante. O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), órgão que fiscaliza a livre concorrência, condenou as entidades por quatro votos a dois. Segundo o jornal O Globo, para os conselheiros do Cade “o Ecad e seus associados não apenas se organizaram para tabelar valores, mas criaram barreiras à entrada de novas associações na entidade”. A prova sobre o acordo de fixação dos preços foi encontrada no próprio site do Ecad: as tabelas de valores cobrados por tipo do usuário. “Também é possível encontrar na página do Escritório na internet os critérios de cálculo e de preço para cobrança de direitos autorais. Comprovaram o ilícito ainda as atas das assembleias gerais realizadas pelo Ecad durante as quais eram discutidas questões relativas à combinação de valores entre as associações”, diz o comunicado do Cade. “Entendo pela existência de prática de cartel. O atual sistema de arrecadação (de direitos autorais), não viabiliza de jeito nenhum a concorrência”, disse ao jornal o relator do processo, Elvino Mendonça. Segundo ele, as regras de cobrança eram determinadas pelas seis associações que compõem o Ecad, e o escritório dificultava a entrada de novas entidades – tanto que a última delas entrou há mais de 30 anos. O Ecad e as entidades terão de pagar uma multa de R$ 38 milhões – mas o valor não deve vir do dinheiro que é repassado aos artistas. Além disso, eles não poderão mais tabelar os valores cobrados por direitos autorais. A recomendação do Cade é que o Ministério da Cultura supervisione a atuação do Ecad. O processo contra o Ecad foi movido pela Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA), que contestou o valor cobrado pelas associações (2,55% da receita bruta das empresas de TV por assinatura). Atualização (19h15): Por meio de nota, o Ecad afirmou que recorrerá da decisão. “O Ecad e as associações recorrerão desta decisão por entender que a estrutura de gestão coletiva criada pelos artistas musicais brasileiros foi esfacelada pelo Cade, que comparou as músicas a meros produtos de consumo e aplicou penalidades em razão do livre exercício dos direitos por seus criadores”, diz o comunicado. CPI. É o segundo golpe contra o Ecad desde o ano passado. Há um ano, senadores da CPI montada para investigar a atuação do Ecad pediram o indiciamento de oito diretores e da superintendente da instituição, Glória Braga. No relatório final da CPI, os senadores falam em crime de falsidade ideológica, apropriação indébita, agiotagem e crime contra a ordem econômica. “Dirigir o ECAD se tornou um negócio rentoso”, disseram os deputados. Segundo os senadores, a atual Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9610-98) apenas deu ao Ecad o monopólio sobre a arrecadação e a distribuição. “A fixação de preços pelas músicas, por exemplo, bem como o custo da taxa de administração de cada entidade, deveriam ser estabelecido livremente, por cada entidade”. O relatório fala em “confraria do Ecad”, que “seria elogiável se não prejudicasse os titulares de direitos autorais e os usuários de músicas”. O relador da CPI, Senador Randolfe Rodrigues, falou com o Link na época. Ele defendeu a criação de um órgão para supervisionar a arrecadação de direitos autorais no País. “Não cabe a uma entidade o monopólio de arrecadação e distribuição. Podemos até manter o Ecad, mas ele precisa se limitar a arrecadar e distribuir. Não pode ser o único detentor de direitos”, disse. Na época, o Ecad falou em “exploração política”.

terça-feira, 5 de março de 2013

Conferência do filósofo Slavoj Žižek é transmitida ao vivo, direto do Sesc Pinheiros

Dia 8 de março, a partir das 20h, terá início o projeto MARX: a criação destruidora, com a participação de alguns dos principais pensadores brasileiros e internacionais especializados em Karl Marx. Durante os meses de março e maio, a parceria entre a Boitempo Editorial e o Sesc viabiliza uma programação especial que marca o lançamento de edição especial de O Capital, de Karl Marx, a partir da edição preparada no âmbito do projeto alemão MEGA-2, com tradução de Rubens Enderle, 15º título da Coleção Marx Engels. Na ocasião também será lançado o guia de leitura de David Harvey para aproximação da obra de Marx que revolucionou o pensamento moderno. O outro lançamento, Menos que nada: Hegel e a sombra do materialismo dialético, de Slavoj Žižek, é o destaque da primeira etapa do evento. Nos dias 5 e 8 de março será realizado, no Sesc Pinheiros, curso introdutório à obra do autor, chamado De Hegel a Marx: a tradição dialética em tempos de crise ministrado pelo filósofo do direito Alysson Leandro Mascaro, pela filósofa Olgária Mattos e pelo psicanalista Christian Dunker. O curso será encerrado com a conferência do filósofo esloveno Slavoj Žižek, que será transmitida ao vivo pelo Portal SESCSP a partir das 20h do dia 8 de março. As vagas para participar presencialmente do curso e da conferência com Slavoj Žižek já estão esgotadas. Porém, todos que quiserem acompanhar ao vivo o pensamento do filósofo poderão acessar sescsp.org.br/aovivo e participar com os próprios comentários pelo Facebook, no dia 8 de março às 20h. leia mais sobre os livros - site MARX a criação destruidora Fonte: http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas/subindex.cfm?Paramend=1&IDCategoria=7948